Imaginar-se em um palco, atuando como protagonista de uma peça, pode ser uma boa alegoria da vida real. Contudo, a grande diferença é que o ator de uma peça teatral, representa um papel, cujo roteiro não foi escrito por ele. Na vida, somos os roteiristas e temos liberdade de mudar os rumos dos acontecimentos. Outra importante diferença é que, embora tenhamos coadjuvantes atuando conosco, eles são também protagonistas de suas próprias peças. Os papéis se cruzam e estabelecem as nuances que, ao longo dos dias, vão dando forma à trama. Podemos misturar gêneros e estilos, já que o drama, comédia e a aventura coabitam harmoniosamente em uma mesma cena. Assim como o suspense com a ficção e até o romance.
“Uma cena que muitas vezes vem à minha mente, dormindo e acordado; é a de que estou de pé nos bastidores de um teatro, esperando por minha deixa para entrar no palco. Enquanto estou ali, vejo a peça prosseguindo, e de repente me ocorre que as falas que decorei não são daquela peça; mas, pertencem a uma bem diferente. O pânico toma conta de mim. Questiono-me freneticamente sobre o que devo fazer. Então recebo minha deixa. Tropeçando, caindo sobre o cenário desconhecido, vou para o palco e procuro orientação do operador, cuja cabeça vejo saindo através do piso. Infelizmente, ele apenas sinaliza impotente e percebo, é claro, que o roteiro dele é diferente do meu. Começo a recitar minhas falas, mas elas são incompreensíveis para os outros atores e abomináveis para o público, que começam a sibilar e gritar: “Saia do palco!”, “Deixe a peça continuar!”, “Você está interrompendo!” Malcolm Muggeridge
Assumindo a direção
Malcolm Muggeridge foi um jornalista e brilhante escritor, que pensava sobre a vida e propôs inúmeras reflexões. Dentre elas a de imaginar-se em um palco, recitando falas de uma peça da qual não fazia parte. O extrato do texto, citado acima, revela parte da agonia de perceber-se atuando em algo sem conexão alguma. Talvez seja esse nosso grande desafio, o de conectar-se adequadamente com os atores que fazem parte de nossa história. Igualmente desafiador, é subir no palco objetivando extrair aplausos de uma plateia que não está interessada minimamente no que temos a dizer. Infelizmente é como se sentem algumas pessoas que embarcaram em um roteiro que não lhes representa.
Ou seja, estão literalmente representando papéis em peças erradas, com roteiros escritos por pessoas que nunca admitirão seu protagonismo. Nossa peça é uma biografia. Ela é única, pessoal e só termina quando nossa missão aqui acaba. Nas biografias não é permitido escolher o final, a não ser que sejam redigidas por alguém que a transforme em ficção; depois do último ato. No entanto, podemos direcionar as escolhas para que preferencialmente seja um final feliz. Os imprevistos exigirão adaptações, mudanças de roteiro, mas tudo imprimirá beleza, despertando curiosidade de quem atentamente nos assiste. A plateia pode ser amistosa, como poderá oferecer algum antagonismo. A vaia e o aplauso se misturam e podem nos confundir. O antídoto contra estes vilões chamados fama e fracasso é tratá-los com a mesma indiferença. Já que são dois lados de uma mesma moeda. Assim como é, igualmente, decisivo não se deixar influenciar por nenhum deles a ponto de perder a noção de nossa fragilidade e insignificância.
Outros atores no palco
Ao subirmos no palco da vida, outros atores esperam por nós. Eles chegaram antes, sua peça já está em andamento e fomos gentilmente inseridos nela. Há os que serão agregados ao roteiro e à trama no futuro. A arte de atuar, sem ultrapassar os limites de nosso protagonismo é o que separa os grandes autores e atores dos medíocres. Já que somos autores e atores de nossa história, temos que ser generosos tanto com o primeiro grupo, quanto com o segundo. Com os que nos antecedem temos que ter inteligência de aprender, enquanto os observamos e imitamos o que agregou conquista à sua carreira. Já com os que nos sucedem temos o dever moral, e quem sabe até obrigação, de estender-lhes a mão oferecendo-lhes empatia diante dos tropeços.
É interessante perceber como uma mesma cena pode ser interpretada com doses de alegria ou tristeza. O nível de otimismo e pessimismo presente nas escolhas também fica evidente, mesmo aos olhos menos atentos. Porque nossa ótica do que nos acontece passa por filtros internos que foram programados muito antes de termos consciência de que fazíamos escolhas. Isto não significa dizer que não somos responsáveis por reprogramá-los ou substituí-los por outros que nos ajudem a obter uma visão mais exata do que está proposto. Esta tarefa, além de ser importante, não pode ser terceirizada. Já que esta análise honesta fornecerá alguns padrões que podem bem nos catapultar para o topo de nossos mais ousados sonhos.
Visão além do palco
O sonhador é aquele que sempre traça metas maiores do que ele. Sabe instintivamente que sem sonhos perecemos. Porém, a arte de transformar sonhos em realidade é dominada por aqueles com capacidade de pavimentar o caminho com projetos menores. Ou seja, dos que entendem seu papel e o desempenham com perseverança e porções abundantes de diligência. Contudo, o que realmente imprime significado a cada um destes objetivos é saber que quando. definitivamente, as cortinas se fecharem a verdadeira história começa. Porque, esta vivida e protagonizada aqui no palco terreno é um grande treinamento e o alicerce sobre o qual o motivo de nossa existência desvenda-se.
Não seria lógico nem coerente imaginar uma peça que terminasse no auge das descobertas. Pois, quanto mais próximos estamos do final, mais sabedoria acumulamos; exercendo, consequentemente, escolhas mais assertivas. O fracasso também assume proporções diferentes da que tinha no início da jornada. A vitalidade pode estar diminuída e o físico nos prega peças, contudo o que falta no corpo, sobra na alma. E essa é eterna, como são todas as sementes que plantamos e que continuarão germinando pela eternidade. A eternidade parece combinar com a vida finita que se apaga lentamente como uma vela, que para brilhar, é consumida.
“Todo acontecimento, grande ou pequeno, é uma parábola por meio da qual Deus conversa conosco. E a arte da vida é entender a mensagem.” Malcolm Muggeridge
O bis é a melhor parte
Se a gente soubesse de algumas coisas, talvez tivéssemos começado pelo bis. Sim por aquela parte que repetimos e que é aplaudida de pé no final de cada grande espetáculo. Mas o bis não existe sem o início e sem o meio, ele só tem sentido depois que a peça encerra. Porque, o aplauso que mais importa é o dAquele que idealizou toda trama. Não só a nossa, mas a do outro; a de todos. Aquele que criou o palco, este grande universo onde atuamos e deixamos nossa marca. Pequena, é verdade, mas ainda assim uma marca. Ele sabia o que estava fazendo desde o princípio. Sabia que precisávamos nascer livres, fazendo escolhas que poderiam nos levar para perto dEle ou que dEle nos afastariam, definitivamente.
Contudo, não deixa de nos amar quando escolhemos nos distanciar. Porque a essência do amor exige que seja livre. Pois, podemos escolher ou não contar com Sua ajuda. Certamente é desejo Seu ser incluído em nossa história. Mas somos nós que determinamos qual será Seu protagonismo no que vivemos. Ele que soprou nas narinas do primeiro ser criado, recolherá o sopro em algum momento. Poderemos ser surpreendidos ao ser recebidos por Ele, recebendo o único aplauso e aprovação que realmente importam. O palco terreno da vida é pequeno e pode ser cruel. Inegavelmente, é nele que aprendemos as lições que nos posicionarão diante dAquele que nos formou no ventre e que criou-nos com um propósito. O bis acontece diante de um único par de olhos. É Sua aprovação e aplauso que buscamos, porque o resto é o resto.
“A primeira coisa que me lembro do mundo – e rezo para que seja a última – é que eu era um estranho nele. O único desastre final que pode acontecer conosco, eu percebi, é nos sentirmos em casa aqui na terra.” Malcolm Muggeridge