A perfeição é uma meta alta demais, embora insistamos em persegui-la. Nós, seres humanos, não nos percebemos como imperfeitos, e não nos relacionamos confortavelmente com esta realidade. Por isso, buscamos a perfeição no que fazemos e em quem somos. Obviamente existem feitos que se aproximam muito do que consideramos perfeito, e não perdem valor quando se descobre neles pequenas imperfeições. No entanto, nossa natureza essencialmente imperfeita, deixará suas digitais em tudo que realizar.
O correto seria dizer que nada do que fazemos é tão ruim que mereça zero como nota. Mas, de maneira idêntica, não é tão perfeito que mereça dez. Sempre existe algo no que realizamos que é digno de reconhecimento e que, portanto, possui valor. No entanto, é também verdade, que tudo tem chance de ser aperfeiçoado. Prova disso são os records registrados, pois, com frequência eles são quebrados e superados. O mesmo acontece com as inovações dos recursos tecnológicos, que constantemente nos surpreendem.
No entanto, somos instintivamente atraídos a perseguir a perfeição, que talvez fosse melhor definida como excelência. Já que, o sentido pleno de perfeito não é conquistado por nossa natureza imperfeita e limitada. Por isso, o perfeccionismo não é o caminho que nos aproxima de nossos talentos e ao sentido da vida; ele é sim um desvio perigoso. Não devemos, jamais, confundi-lo com a busca de crescimento de forma saudável. Extirpar este desejo de superação seria o mesmo que nos mutilar.
“Feito é melhor do que perfeito.” Elizabeth Gilbert
O perigo do perfeccionismo
Perfeccionismo é em sua essência um comportamento defensivo. É a crença equivocada de que seremos perfeitos, se executarmos algo com perfeição. É uma abordagem utópica da vida, que tenta extirpar ou evitar a dor da culpa, do julgamento e da vergonha. Somos perfeccionista quando carregamos um escudo pesado, que pretensamente nos defende. Mas, que de fato, impede que vejam a essência de quem somos. É um falso esconderijo no qual nos abrigamos, pretendendo driblar a crítica e o erro, como se isso fosse possível.
É importante e recomendado buscar autoaperfeiçoamento. Porém, a motivação por trás desta busca não deve ser a aprovação. Quando crescemos sendo louvados por nossas conquistas e bom desempenho, o que é saudável, corremos risco de achar que o que fazemos nos define. A busca desenfreada da aprovação externa não é a chave do sucesso que almejamos. Está, portanto, intimamente conectada ao medo de falhar, de cometer erros, de não corresponder às expectativas dos outros.
Este sistema é autodestrutivo simplesmente porque a perfeição não existe. É, portanto, em sua essência uma meta inatingível. O perfeccionismo tem mais a ver com percepção do que com uma motivação interna ajustada e é, também, um comportamento viciante. Por isso, independente do tempo e energia que se gaste, não conseguimos mudar uma percepção que temos de nós mesmos com conquistas. Inegavelmente, nada externo tem este poder ou consegue ajustar quem somos.
“Quando sou honesto, admito que sou um amontoado de paradoxos.Creio e duvido, tenho esperança e sinto-me desencorajado, amo e odeio, sinto-me mal quando me sinto bem, sinto-me culpado por não me sentir culpado. Sou confiante e desconfiado. Honesto e ainda assim insincero.” Brennan Manning
Se levar menos a sério
Para os que foram criados em ambientes mais competitivos, ou até mais rígidos, é mais difícil romper com este ciclo destrutivo. Nenhum ser humano aprecia a vergonha ou o fracasso. Não é lógico e nem normal gostar de lidar com derrotas. No entanto, esta é uma realidade presente em nossa natureza, que afeta o que fazemos constantemente. Por isso, as pessoas que se levam menos a sério sofrem menos com os erros que cometem. Elas eliminam a guerra de narrativas contraditórias existente em sua mente.
Em parte isso se deve ao fato de que desvinculam suas conquistas de quem são de modo coerente, já que reconhecem no perfeccionismo um grande equívoco. Mas, também porque se importam menos com o que outros pensam do que lhes acontece. São pessoas seguras, que possuem uma identidade razoavelmente sólida. Por isso, arriscam mais, o que lhes garante mais chances de conquistas cada vez maiores. Outro aspecto que precisa ser praticado é a generosidade consigo mesmo.
Por vezes, não temos dificuldade de ser generosos com as falhas de outros. Somos capazes de enxergar o copo meio cheio ao invés de meio vazio na situação do vizinho, mas não na nossa. Porque, quando se trata do que fazemos, somos rígidos e inflexíveis. Ignoramos nossa dor e nos autoflagelamos com críticas absurdas. Quando somos mais condescendentes conosco, temos mais facilidade de demonstrar empatia com a falha do outro. Isto, por si só, acrescenta leveza aos relacionamentos.
Equilibrando a balança
A busca do equilíbrio em qualquer circunstância é chave para uma vida plena. Temos que reconhecer com humildade nossa condição de pessoas falhas, sabendo que os outros também erram. É sábio abordar as emoções negativas com equilíbrio para que os sentimentos não sejam sufocados nem exagerados. Ignorar nossa dor, enquanto sentimos compaixão por ela, não é coerente. Alcançar essa consciência equilibrada envolve filtrar os pensamentos/sentimentos, para não sermos capturados e arrebatados pela negatividade.
“Acreditamos que a experiência mais terrível e destrutiva que uma pessoa pode ter é o retraimento psicológico. Isso não é o mesmo que estar sozinho. É a sensação de estar afastado de qualquer possibilidade de contato humano e de ser impotente para mudar a situação. No seu ápice, o retraimento psicológico pode levar à falta de esperança e ao desespero. As pessoas farão quase tudo para escapar dessa mistura de isolamento patológico com impotência.” Jean Baker Miller e Irene Stiver
Retrair-se leva ao isolamento, e jamais será solução ou nos ajudará a viver de forma equilibrada. O sentimento de vergonha pode nos levar ao desespero. Nossa tentativa de escapar do conflito emocional pode nos conectar à vícios e até a depressão. Infelizmente o número de pessoas que se tratam para depressão é crescente. São também altos os índices de suicídios, especialmente em sociedades mais ricas. Comprovadamente, a abundância de recursos não minimiza a dor emocional.
“Há pessoas que têm o dinheiro e pessoas que são ricas.” Coco Channel
Vínculos saudáveis
O estabelecimento de vínculos saudáveis é mais uma das chaves para revertermos esse quadro de desequilíbrio. Já que, viver sem vínculo, sem amor e aceitação, não é a definição de uma vida vitoriosa. Alguns precisarão de um esforço maior para sair de um estado de apatia e lutar pelo pertencimento. Mas, seja qual for a situação, ela não é grande ou difícil demais que não possa ser revertida. Outros já fizeram, e com sua determinação, pavimentaram um caminho que podemos trilhar.
A vergonha só triunfa quando, em nome da proteção, desistimos de nos comprometer com algo. A desmotivação leva ao isolamento e é fatal nestes casos. Buscar culpados também não é uma opção válida. Já que, atribuir culpa a uma circunstância ou pessoa não minimiza nossa dor e nem soluciona nosso desconforto. Porque, às vezes, o crescimento é desconfortável. Romperemos este ciclo se tivermos coragem de lutar. É importante também saber que ninguém fará isso em nosso lugar.
A cada um de nós foi dado um destino e sonhos que temos que ter coragem de perseguir. Eles envolverão vínculos saudáveis e temos que nos conceder o direito de ser imperfeitos. Assim como, conceder esta prerrogativa a quem convive conosco. A busca pela perfeição desequilibrada comprometerá o resultado de nossas tentativas. No entanto, será um ingrediente importante e motivador quando dosado adequadamente.
“Podemos escolher recuar em direção à segurança ou avançar em direção ao crescimento. A opção pelo crescimento tem que ser feita repetidas vezes. E o medo tem que ser superado a cada momento.” Abraham Maslow