O ser humano foi criado com a necessidade de pertencer. Pois, somos seres sociais e precisamos de convívio com nossos semelhantes que nos completam e desafiam a ser pessoas melhores. É neste convívio que amadurecemos e adquirimos consciência de nossos limites e lacunas. Assim como, são os relacionamentos que revelam nossas qualidades, bem como nossa capacidade de lidar com diferenças.
Relacionar-se com quem tem afinidades conosco é legítimo. Pois, em geral são as semelhanças que nos aproximam e constituem o ponto de partida do relacionamento entre casais, amigos e colegas. No entanto, na família não exercemos escolha, já que, somos apresentados a um tipo de pertencimento imposto. Por isso, alguns destes relacionamentos são desafiadores, mas são estes mesmos que possuem potencial de nos transformar.
Em geral nos irritamos ou discordamos de pessoas tão teimosas quanto nós. Ou seja, o velho ditado que diz que “dois bicudos não se beijam” é verdadeiro. Por isso, quanto mais semelhanças temos com determinada pessoa, mais facilmente nos deparamos com regiões de conflito, pois os pontos cegos também são compartilhados. Isto é, na prática não são os opostos que se atraem e sim os iguais. Nossa principal tendência é de nos associar com os “iguais” e não com os “diferentes”.
A importância de pertencer
Pertencer à uma família ou grupo de amigos com objetivos comuns, seja no trabalho, na escola ou vizinhança é imprescindível. Pois, precisamos do que o outro carrega, no entanto, não podemos confundir a necessidade de pertencer com o “encaixe” forçado. Ou seja, pertencimento agrega valor e segurança à nossa existência, enquanto o encaixe rouba-nos a identidade e nos conduz por um caminho onde máscaras são usadas em nome da aceitação.
Qualquer um que deseja encaixar-se em algum grupo com o qual não se identifique minimamente, acabará traindo a si mesmo. Pois, nenhuma aceitação deve custar tanto, já que não seremos capazes de extrair deste tipo de convívio algo que nos deixe melhor. Além disso, relacionamentos fundamentados em mentira não se sustentam, pois, relacionar-se é uma arte e exige boas doses de perseverança, paciência e muito amor. No entanto, quando um relacionamento violenta nossa essência ele deve ser descartado.
Ou seja, o exato momento em que percebemos que nossa identidade foi agredida ou sacrificada, constitui um alerta. Certamente, algo está indo na direção errada e precisamos corrigir a rota. Pois, pertencer deve ser consequência de empatia e comprometimento mútuos. Porque relacionamentos são construídos em uma via de mão dupla, isto é, não existe possibilidade de se estabelecer algo duradouro sobre outro tipo de alicerce. Já que, ambos os envolvidos precisam dar passos nesta direção, porque a manipulação e as máscaras inviabilizam parcerias sólidas.
Pertencer sem medo
A busca por “pertencer” a lugares e grupos com os quais podemos aprender e trocar experiências é um componente importante da equação da vida. Pois, o isolamento não nos deixa melhores nem nos protege de sofrer decepções. Quando nos isolamos estamos indo contra tudo que sustenta nossa existência, ou seja, é na troca com o outro que nos tornamos pessoas mais completas. Porém, quando buscamos pertencer nos deparamos com a dor de decepções e frustrações.
É preciso, por isso, ter coragem de admitir o quanto nos sentimos solitários e o quanto o outro nos faz falta. Mas, além disso, precisamos ter coragem de lidar com mágoas e ressentimentos, porque, não existe coragem sem vulnerabilidade. Ser vulnerável é assumir nossa real identidade, é lutar por um lugar que nos pertence à mesma medida que buscamos pertencer. Portanto, não é do outro a tarefa de atribuir valor ao que somos. Isto é, ao assumirmos nosso protagonismo, concedemos ao outro capacidade de reconhecer nosso valor.
Por isso, a ordem dos fatores, neste caso, altera o produto. Ou seja, quando nos esforçamos para nos encaixar violentamos quem somos. Mas, quando temos coragem de ser quem somos, pertencemos naturalmente e atraímos pessoas com valores semelhantes. Este não é um caminho fácil de percorrer, pois, existem etapas doloridas e solitárias. No entanto, é a única forma verdadeira de construir relacionamentos sólidos e duradouros.
Escolhendo a vulnerabilidade
“A vulnerabilidade soa como verdade e sente-se como coragem. Verdade e coragem não são sempre confortáveis, mas elas nunca são fraqueza.” Brené Brown
Escolher ser vulnerável é o oposto de ser fraco. Pois, somos vulneráveis quando arriscamos ser quem somos. Por isso, ao permitir que pessoas acessem nossa essência, inclui deixar que vejam nossas falhas, nossos erros e pontos cegos. Portanto, excluir a vulnerabilidade é o mesmo que limitar nossa capacidade de solidificar nossa identidade. Existe dor envolvida, porém, nenhuma dor é insuportável quando o que está em jogo é nossa identidade.
“É preciso coragem para ser imperfeito. Aceitar e abraçar as nossas fraquezas e amá-las é deixar de lado a imagem da pessoa que devia ser, para aceitar a pessoa que realmente sou.” Brené Brown
É bem verdade que nossa natureza não gosta de sofrer e temos pouca tolerância para lidar com desconforto. Pois, em geral somos melhores gerando dor do que ao lidar com ela. Ou seja, facilmente fugimos de lidar com o que nos tira de nossa zona de conforto e em contrapartida ferimos com facilidade. Não existem atalhos seguros que nos levem até nosso destino e nos poupem da dor. Portanto, abraçar a dor emocional e às vezes física, não é negociável e faz parte integrante do contrato dos que buscam pertencer.
Pertencendo, não encaixando-se
Por isso, quando optamos por construir relacionamentos maduros, sabemos que um componente de dor estará presente. Seremos feridos e feriremos, mas a cada novo desafio enfrentado em conjunto uma de nossas arestas é lapidada e ficamos mais fortes. Portanto, ser vulnerável é pedir e conceder perdão, é também ter coragem de dizer não, estabelecendo limites. O diálogo do coração é sempre mais coerente do que o discurso vazio das palavras.
Pertencer é ser capaz de assumir a fragilidade de quem somos diante de quem pode ou não compreender nossas razões. Pertencer é ter coragem de não andar só, reconhecendo que existe algo no outro que nos completa. Pertencer não é o mesmo que encaixar-se, porque o encaixe nos esvazia e o pertencimento nos preenche. Pertencer é saber quem somos, respeitando e permitindo que o outro seja quem é.
Nascemos para pertencimento não para o encaixe. Os que viveram uma vida de encaixes não conhecem o valor de pertencer e os que pertencem não se esforçam para encaixar-se. O conhecimento de quem somos é decisivo para que consigamos cumprir nossa missão nesta terra, pois, nascemos com uma identidade e um propósito. Viver nossos dias inclui perseguir uma identidade e um lugar de pertencimento.
O primeiro fato que devemos considerar é que pertencemos a Deus. Quando somos achados nEle, somos livres para pertencer a todos os lugares ou a lugar algum. Porque o verdadeiro pertencimento é fruto de uma identidade sólida e a única fonte confiável de descoberta desta identidade é o próprio Criador.
“Você só é livre quando percebe que não pertence a lugar nenhum — você pertence a todos os lugares. O preço é alto, mas a recompensa é valiosa.” Maya Angelou