A procrastinação, em alguma medida, é um desafio a ser superado na vida da maioria de nós. Especialmente em um tempo em que fomos direcionados a um confinamento para vencer uma crise sanitária, procrastinar uma escolha ou decisão foi legitimado pelo momento. É espantoso constatar que, independente da cultura ou posição geográfica os efeitos foram muito semelhantes. Ou seja, pessoas confinadas reagiram de forma parecida nos diversos pontos da terra. Conflitos familiares se agravaram, assim como desafios financeiros abalaram frágeis estruturas que precisavam só de um empurrãozinho para ruírem.
Sem dúvida, a pandemia desencadeou um efeito cascata e denunciou a fragilidade da estrutura humana. Pois, independentemente do lugar do planeta em que habitamos a crise extraiu de nós reações similares. Inegavelmente, somos frágeis e nossa vida passa como um vapor. Um inimigo invisível ameaçou a segurança de todos e espalhou pânico e muita polarização em cima das soluções. Contudo, alguns heróis fizeram diferença, apresentando estratégias equilibradas e transparentes que diminuíram o impacto e as consequências catastróficas da crise global.
Muitos lidaram com o desafio de se reinventar e os mais antenados e criativos vislumbraram oportunidade onde outros enxergaram apenas ameaças. Não se trata, no entanto, de avaliar a circunstância como quem pretende tirar vantagem ilícita dela, e sim de observar o cenário sob uma nova perspectiva. Os que se comportaram de forma interesseira e inescrupulosa só provaram que não reconhecem no outro uma extensão de si mesmo. Defraudar um semelhante, pensando apenas em algum tipo de enriquecimento ou promoção pessoal, nos esvazia da característica que nos une – a empatia.
Recomeçar exige um fechamento
Recomeçar nunca é fácil, porque exige perseverança e otimismo. Contudo, este momento encurralou-nos no que para alguns parecia ser um beco sem saída, até que alguns perceberam que era possível abrir uma passagem, onde antes nada havia. Esta capacidade de aquietar a ansiedade, analisando o quadro com clareza e redesenhando a estratégia é o que podemos e sabemos fazer. Ou seja, o ser humano desconhece sua capacidade de superação, até que seja forçado a utilizá-la. Temos que terminar o que começamos. Isto é, não podemos desistir de viver. A vida é mais do que as perdas momentâneas e tem mais valor do que as adequações que a estação exige.
Além disso, nada começa do zero, pois acumulamos experiências em tudo que vivemos. Pois, quando perdemos bens, emprego e até mesmo um ente querido, acumulamos aprendizado e isso ninguém nos rouba. Portanto, temos oportunidade de aprender com tudo que vivemos e a necessidade de finalizar completamente uma etapa é pré-requisito para os desafios futuros. O luto é parte do processo em qualquer esfera e devemos respeitar a velocidade de cada um de absorver o impacto das mudanças, por isso, nem sempre o externo representa o fim. Ou seja, aparentemente podemos estar lutando honestamente para implementar inovações, mas elas precisam acontecer de dentro para fora. Isto é, precisamos finalizar para poder reiniciar.
“A alegria não está nas coisas, está em nós.” Johann Goethe
Tendo coragem de mudar
Começar algo novo pode ser sensato, mas mais sensato é concluir o que está inacabado. Nem sempre a solução está vinculada a um giro de cento e oitenta graus, talvez girar noventa graus seja o mais recomendado em alguns casos. Temos que avaliar o que sobrou e o que pode e deve ser aproveitado. Ninguém sai ileso ou igual de uma crise seja ela de que ordem for. Quanto mais abalados forem os alicerces, tanto maior será a adequação necessária. Quando aquilo em que nos apoiamos não é sólido, todo resto sofre dano. Por isso, é importante avaliar sobriamente o tamanho do giro necessário. Pois, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Portanto, sem temer mudar, arriscando na medida correta, não devemos nos deixar influenciar por desespero ou desesperança. Na prática, correr riscos é o maior investimento que fazemos em nós mesmos. Ou seja, adquire-se muito conhecimento em cada adequação imposta ou escolhida. Importante salientar que nenhuma transformação é desprovida de risco. Por isso, quem teme o risco fica estagnado e ignora parte da beleza da vida. Porque, por mais desafiador que seja nosso contexto financeiro, familiar, profissional ou pessoal, é nossa obrigação seguir em frente com os recursos que restaram.
Tomar decisões no momento em que a fervura está no ponto alto de ebulição não é recomendado. Precisamos esperar a temperatura baixar e avaliar com coerência o que temos que reconstruir e o que deve ser desprezado. A triagem correta de algumas emoções, assim como a ousadia de arriscar estão muito vinculadas. Pois, ao classificarmos corretamente nossos sentimentos e sua origem, desbravamos com mais facilidade e otimismo o desconhecido. Equilíbrio é o que devemos perseguir, porque o golpe foi dado exatamente naquilo em que nos apoiávamos. Reconstruir sobre um alicerce frágil nos fará repetir a experiência e pode ser devastador.
“A vida se encolhe ou se expande em proporção à sua coragem.” Anais Nin
Outros já fizeram
A história da humanidade é repleta de momentos em que nações inteiras tiveram que se reerguer das cinzas. Ninguém que promova conscientemente tamanha devastação está em seu juízo perfeito. Contudo há os que trabalham, buscando implementar condições favoráveis para uma vida saudável e estável. Mas, em alguma medida, todos já descobrimos que a vida não é um conto de fadas com final feliz de histórias infantis. Pois, narrativas previsíveis e controladas são monótonas e desinteressantes e a vida real é bem mais do que isso.
Além disso, cenários estáticos e previsíveis só são criados para alimentar mentes imaturas que escolheram ou esqueceram de crescer. Outros antes de nós já se reinventaram e talvez tenham partido de pontos bem menos privilegiados do que o nosso. Portanto, temos que acreditar que existe um potencial ainda não explorado dentro de nós. O ser humano não nasceu para viver fora de uma comunidade. Somos seres relacionais e o outro nos inspira e pode ser o braço que se estende no momento difícil. Cada um escolhe ser ou não a resposta na vida de alguém.
Outro fato importante é jamais esquecer que existe um Criador governando toda e qualquer circunstância. Deus não desistiu da humanidade e Ele continua tendo a solução para cada um de nossos conflitos. No entanto, Ele aguarda que permitamos que Ele entre em cena, pois precisa que voltemos, espontaneamente, nossos olhos em Sua direção. Porque, não foi Ele quem estabeleceu o caos em que estamos envolvidos e nunca foi Seu desejo que experimentássemos qualquer tipo de dor ou distanciamento dEle. No entanto, o primeiro homem criado escolheu a independência e a desobediência e, se formos honestos, não teremos dificuldade em admitir que repetimos esta escolha ao longo da vida muitas e muitas vezes.
“Deixe as suas esperanças e não as suas dores moldarem teu futuro.” Robert H. Schiller
Parar não é sinônimo de procrastinação
Parar não é sinal de estagnação é antes um momento que antecede uma ação. Parar diante de um sinal de trânsito é uma medida de proteção e prevenção. Pois, muitos acidentes poderiam ter sido evitados se essa simples regra fosse obedecida. A vida exige paradas, tanto para os descansos requeridos pelo corpo, quanto para o início de um novo empreendimento. As pequenas decisões da vida, quando planejadas, são bem sucedidas. Aquelas que não são antecedidas por um período de avaliação nem sempre prosperam.
A parada obrigatória neste momento foi imposta e deveria representar uma oportunidade de reavaliação. Portanto, quanto maior for nossa capacidade de lidar com o momento de crise, tanto maior será nossa capacidade de sairmos dele. Por isso, nenhuma ansiedade ou pessimismo, assim como doses de medo e insegurança contribuem, devendo ser imediatamente descartadas. Não produzimos e nem extraímos o melhor de nós debaixo destes algozes. Temos que buscar o ponto de equilíbrio e a ajuda necessária para que nossa sanidade retorne a níveis normais.
Deus continua sendo Deus
Deus continua sendo Deus e quando tentamos fazer o que só Ele pode fazer, extrapolamos nossa esfera de ação. Contudo, existe uma parte que é nossa e essa parte Deus não faz. Ter fé não é assumir posição passiva e fatalista em relação ao que nos acontece. Cada um de nós recebeu capacidades que precisam ser exploradas e treinadas. Ninguém nasce sabendo, tudo o que hoje sabemos foi aprendido. Pois, falar, andar, escrever, ler e executar qualquer outra tarefa que desempenhamos envolvei aprendizado. Tudo que temos condições de administrar e gerar continua sendo responsabilidade nossa, a parceria de Deus conosco começa onde a nossa responsabilidade e capacidade termina.
Pois, tanto a pessoa que acredita que pode e deve fazer tudo sozinha está errada; quanto aquela que atribui culpa a Deus por tudo que de ruim lhe acontece. Os dois extremos denunciam falta de compreensão de qual é o papel de Deus em nossa vida. Ou, melhor dizendo, qual papel permitimos que Ele ocupe em nossa vida. Ele não é um Deus distante na vida daqueles que decidiram ter uma aliança pessoal com Ele. Não se trata de ir à igreja ou de ter uma religião. Trata-se de entender que temos uma origem espiritual e que nosso Criador deseja relacionar-se conosco. Os que optam por ignorar esta realidade, preferindo excluir Deus da equação, ou criam para si outros deuses ou perdem-se em uma rotina sem sentido.
Tudo aqui um dia acabará, a crise atual demonstrou como rapidamente nossas circunstâncias podem ser modificadas. Infelizmente muitas vidas foram ceifadas precocemente. Assim como muitos planos bem estruturados de um futuro promissor não se concretizaram. A realidade é que todos nós só temos o presente e temos que vivê-lo da forma mais sábia possível. A sabedoria para viver o hoje está em estabelecer o fundamento de nossas escolhas e estratégias sob um alicerce imutável e eterno. Só existe uma forma de fazer isso, que é reconhecendo que não nascemos para viver apenas esta vida e que quando tudo aqui acaba, há continuidade.