envelhecer é revolucionário

Envelhecer pode ser um tabu e um desafio para muitas pessoas, mas é a coisa mais natural da vida. Como diz a letra da música de Arnaldo Antunes: envelhecer é a coisa mais moderna que existe nesta vida. Pois, cada fase de nossa existência possui sua beleza e deve ser vivida com intensidade. É bem verdade que o discernimento e a maturidade que os anos acrescentam são adquiridos sem atalhos. Ou seja, não existe nenhuma maneira de driblar o inevitável impacto que os anos causam em nosso corpo. Contudo, o ser humano é espírito, tem uma alma e habita em um corpo. Por isso, ainda que não consigamos proteger o invólucro, temos que zelar pelo que permanece e é eterno. O verdadeiro cuidado, portanto, origina-se no interior e afeta o exterior.

O mundo globalizado e a era da tecnologia possibilitaram acesso à informação de forma simples e eficiente. Nunca antes como agora, ouviu-se falar tanto sobre a importância do exercício físico, da boa alimentação e da vida livre de excessos. Contudo, a população mundial continua sem dar a importância devida aos cuidados que permitem um envelhecimento saudável. Aliás, cuidar apenas do corpo, esquecendo-se de lidar com a alma e o espírito não é suficiente e nem eficaz. A velhice é a fase em que os abusos cometidos cobram a conta e, infelizmente, nem sempre é possível revertê-los. Fazer escolhas erradas faz parte de todo processo de aprendizado, já que, só não erra quem desistiu de aprender com a vida. Contudo, precisamos assimilar este aprendizado, evitando a perpetuação dos erros e de suas consequências.

“Envelhecer ainda é a única maneira que se descobriu de viver muito tempo.” Charles Saint-Beuve

A infância e a velhice

A infância é a fase da vida onde deveríamos usufruir de maior liberdade. Não a liberdade que o adolescente reivindica, nem aquela dos movimentos revolucionários. Mas, aquela atrelada ao fato que podemos sonhar, brincar e acreditar em um futuro brilhante. Na proteção de lares estruturados as crianças deveriam crescer e fundamentar sua personalidade e caráter no amor e na aceitação. Sabemos que na prática não é essa a experiência da maioria da população. Inevitavelmente esse mundo de conto de fadas só existe na ficção. A vida real apresenta um quadro bem mais complexo e desafiador do que este. E é exatamente nesta fase que as sementes da velhice começam a ser plantadas.

Não é a toa que as últimas memórias que somem de nossa mente são aquelas experienciadas na infância. Negligenciar os cuidados desta fase pode bem impactar negativamente a vida adulta e a velhice. Uma criança segura e que recebeu amor transforma-se no adulto equilibrado que envelhecerá com menos conflitos. Contudo, podemos recuperar as perdas da infância na fase adulta e também na velhice se encararmos os desafios como oportunidades de aprendizado e não tivermos receio de nos reinventar. O desaprender e o reaprender não deveriam ser privilégio da criança, o adulto sábio é aquele que encara este processo com naturalidade.

“Ao envelhecer, parei de escutar o que as pessoas dizem. Agora só presto atenção ao que elas fazem.” Andrew Carnegie

Sem medo de envelhecer

Quem teme o envelhecimento não aprendeu o suficiente com a vida. É provável que o temor esteja associado a alguma lacuna que não foi corretamente preenchida. Ou ainda, pode bem ser resultado de uma nostalgia exagerada. A velhice é a fase da vida em que os cabelos brancos coroam uma trajetória de erros e acertos, e que também revelam nossa capacidade de não se levar tão a sério. Aquilo que no passado assumiria proporções gigantescas é capturado por um olhar mais gentil e menos ansioso. E toda circunstância que exige adequação e conserto é resolvida com menos esforço físico e mais inteligência. A vida assume um rítmo menos frenético, não só pela limitação imposta pelo corpo, mas especialmente pela sabedoria absorvida.

A geração atual de idosos sobreviveu sem o auxílio do celular e do computador. Ela aprendeu a aguardar pacientemente pela chegada de uma carta, assim como pelo tempo necessário para revelar-se uma fotografia. Este é um dos motivos que a capacita a valorizar gestos simples, sofrendo menos com questões que sabe que o próprio tempo se encarrega de ajustar. A tecnologia encurtou distâncias mas também imprimiu um ritmo desumano ao cotidiano de algumas pessoas. Certamente os desafios de envelhecer da nova geração serão diferentes, mas não menos significativos. A verdade é uma só, todos os que vivem suficiente para envelhecer têm oportunidade de usufruir desta fase com mais ou menos sabedoria. Isto é, a velhice é a fase em que a soma das escolhas feitas é denunciada.

“Se o tempo envelhecer o seu corpo, mas não envelhecer a sua emoção, você será sempre feliz.” Augusto Cury

As mudanças e trocas

As mudanças que acontecem são mais evidentes no corpo do que em qualquer outra parte de nosso ser. Mas o invisível aos olhos é o que tem capacidade de sustentar as limitações apresentadas pelo corpo. As rugas são uma mudança e não precisam ser cobertas com maquiagem, elas são revestidas de serenidade e clareza. A visão física limitada é complementada com a ótica de um coração generoso e grato que enxerga coisas que os olhos não capturam. Os cabelos brancos não são mais cobertos com tinta, mas revelam a postura correta que estreita laços e desfaz conflitos, adquirida ao longo dos anos. A audição pode estar falhando mas oferece o ouvido atento de quem se importa.

As mudanças nada mais são do que trocas feitas e oferecidas. Trocou-se o que era passageiro e frágil pelo que tem valor eterno. Troca-se o que era urgente pelo que é importante. De maneira idêntica, troca-se com facilidade o sorriso e o abraço pela necessidade de estar certo. Usar o vigor da juventude para construir o alicerce da velhice é a coisa mais sábia que podemos fazer com nosso tempo. Por outro lado não é comum pensar nisso quando se tem uma vida inteira pela frente. Envelhecer não é nosso alvo, mas é nosso destino. No entanto, chegar neste destino com sabedoria deveria ser nosso alvo.

“Qualquer idiota consegue ser jovem. (…) É preciso muito talento pra envelhecer.” Millôr Fernandes