Não importa muito se a máscara que usamos foi colocada por nós ou por outros. Inegavelmente, ela nos descaracteriza. Pois, o risco que corremos ao usá-la por muito tempo é o de incorporar sua natureza à nossa. Isto é, qualquer subterfúgio empregado, objetivando esconder algo que nos desagrada em nós mesmos, pode tornar-se permanente. Porque a natureza humana é falha, é inevitável que cada um de nós carregue traços que denunciam essa fragilidade.
No entanto, a tentativa de cobrir essas imperfeições com qualquer instrumento, que pretensamente sirva para escondê-las, simplesmente posterga sua solução. Pois, ao resistirmos o fato de que somos chamados a lidar com nossas mazelas, nos tornamos reféns de uma farsa. A mentira que assumimos como verdade nos escraviza e distorce quem somos. Portanto, a máscara longe de ser um escudo eficaz, gera a ilusão de invulnerabilidade, desencorajando a reação que teria fornecido uma proteção genuína.
Por isso, só estamos realmente protegidos, quando assumimos nossa identidade de forma plena, estando dispostos a lidar com defeitos e qualidades. Porque, somente a coragem de explorar a escuridão, revelará o poder infinito de nossa própria luz. A vergonha é o principal vilão a ser confrontado, já que é uma dor real. Ela está alicerçada naquele sentimento dolorido ou na crença que somos defeituosos, e, portanto, indignos de amor e aceitação. Certamente, nenhuma máscara é suficientemente eficaz para ocultar as cicatrizes dessa espécie de ruptura de nossa alma.
“E quando a máscara cai, a surpresa, não havia nada por baixo, só vazio, tudo ilusório, um ser fictício habitava ali.” Lua
“Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor é a única emoção que não usa máscara.” Caio Fernando Abreu
Sendo Sinceros
A palavra sincero tem sua origem no latim e é a junção de duas palavras: sine cera (sem cera). A versão mais comum da origem desta palavra é que, em Roma, escultores desonestos, esculpiam estátuas de mármore com pequenos defeitos, usando cera especial para ocultar tais imperfeições. Claramente, objetivando com esta prática, esconder do comprador as trincas ou pequenas falhas das esculturas. Mas, obviamente, era do tempo a tarefa de revelar as rachaduras, que não permaneciam eternamente despercebidas.
Certamente existiam escultores honestos, que faziam questão de dizer que suas estátuas eram “sine cera”, ou seja, perfeitas, sem defeitos escondidos. Portanto, a expressão sincero tem sua origem neste contexto. Porque, sinceridade é característica de algo ou alguém que não esconde seus defeitos. Por isso, costuma-se dizer que uma máscara, nada mais é do que uma cera que aplicamos sobre nossas rachaduras. No entanto, assim como no caso das estátuas, é tarefa do tempo revelar essa fraude. Inevitavelmente, cedo ou tarde as máscaras caem.
Ao optarmos por abandonar nossa máscara a dor escondida será exposta. Ela de fato só denuncia a condição de algo que precisa ser ajustado. No entanto, nem sempre o ajuste é superficial ou imediato. Já que, as raízes devem ser removidas para que a erva daninha não volte a crescer. É possível que as rachaduras existentes tenham sido provocadas exatamente pela força da raiz, que permanece sendo nutrida. Por isso, o ato heroico da remoção da máscara é o início de um processo de cura.
“Por detrás da alegria e do riso, pode haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas, por detrás do sofrimento, há sempre sofrimento. Ao contrário do prazer, a dor não tem máscara.” Oscar Wilde
A máscara imposta
Nem sempre somos nós que vestimos a máscara. Já que, outros podem ter nos rotulado ou nos mascarado. Mas, isso não diminui nossa responsabilidade de removê-la. Sempre será nosso o papel de protagonistas de nossa história. Pois, tentativas de terceirização desta função não serão bem sucedidas. Porque, mais importante do que parecer bem aos olhos de quem nos observa é importante estar bem de fato. Por isso, não devemos conceder a ninguém o poder de nos definir, limitando-nos. Existe um potencial em cada um de nós que temos dever de explorar.
A máscara imposta é aquela que recebemos, em geral, de pessoas próximas. São as pessoas com quem convivemos, possivelmente as que mais amamos, que nos rotulam. Consequentemente, a opinião delas nos afeta mais do que a de outros. No entanto, elas também possuem falhas em sua estrutura emocional. Por isso, podem muito bem estar nos catalogando a partir de um olhar distorcido. Cultivar relacionamentos que acessem nossa vida é importante e legítimo. O problema ocorre quando nos permitimos ser moldados apenas pelo olhar deles. Pois, por mais bem intencionados que sejam, não são eles os responsáveis por fazer nossas escolhas e jamais deveriam nos medir a partir de sua ótica.
A linha que separa o que é um bom conselho de um controle excessivo é tênue. Isto é, não é como relacionar-se com a receita de um bolo, onde toda orientação seguida à risca, garante o sucesso. Relacionamentos são dinâmicos e exigem aptidão para filtrar adequadamente o que devemos aproveitar e desprezar. Por vezes teremos dificuldade de saber exatamente onde estão os excessos e os pensamentos viciados. Mas, nestes casos, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Isto é, acaba sendo mais saudável questionar algumas informações recebidas, descartando-as, do que absorvê-las sem análise.
“Não sujarei minhas mãos tentando tirar sua máscara; porque minha única certeza é: máscaras sempre caem sem a ajuda de ninguém.” Desconhecido
A máscara escolhida
Nem sempre a escolha do uso de uma máscara é consciente. Isto é, podemos muito bem estar selecionando posturas dentre as consideradas politicamente corretas. No entanto, ao sufocarmos nossa verdadeira personalidade, objetivando com isso ser aceito, fatalmente estaremos nos violentando. A violência pode ser sutil e quase imperceptível, mas afeta consideravelmente nossa liberdade, diminuindo as chances de ajuste. Pois, o primeiro passo para corrigir desvios de rota é ter coragem de admitir que aquele conceito não nos representa.
Sabemos que precisamos de aceitação e que nosso valor, em parte, é atribuído pelo olhar do outro. No entanto, a pressão do grupo ou de alguém que pretendemos agradar, não deve nos transformar em quem não somos. A verdadeira troca acontece quando convivemos com pessoas que nos permitem ser quem somos de fato. Elas são raras, mas pessoas assim entendem que elas não tem direito de exigir que correspondamos a seus anseios. Elas nos amam pelo que somos e independente de quem somos. Este tipo de amor incondicional é raro. No entanto, é o único tipo de amor que nos transforma de fato.
O relacionamento maduro é aquele que nos incentiva a abandonar as máscaras. Já que, sem elas, estaremos dando vazão à nossa versão real. Obviamente isto não nos autoriza a ultrapassar a linha da adequação. Ou seja, não estamos autorizados a ser agressivos ou violentos ao lutar por nosso espaço. Pois, quem busca uma vida sincera e transparente, saberá respeitar nosso posicionamento. De maneira idêntica, seremos hipócritas se não concedermos ao outro a chance de ser quem é, sem julgá-lo. A máscara é removida gradualmente quando entendemos que sem ela somos melhores. Porque qualquer versão que não nos represente de fato não merece ser vivida.
“De que tamanho é a força do amor que nos permite arrancar a máscara da superficialidade para abrir nosso coração aos outros?” Anahí Portilla
Autorização para ser sincero
“Veja que todos os homens carregam mais ou menos a mesma máscara, mas saiba também que existem rostos mais belos do que a máscara que os cobre.” Jean-Jacques Rousseau
Existe uma beleza escondida em cada um de nós. A capacidade de remover a máscara está intrinsecamente relacionada com esta descoberta. Pois, enquanto nos percebemos como devedores de quem quer que seja, nos faltará coragem de assumir nossas fraquezas. A sugestão não é de que se cometa suicídio social, optando por uma exposição demasiada e inapropriada, que nos aniquilaria. Contudo, ao sufocarmos nossa identidade também morremos. No fundo temos que eleger um tipo de morte. Ou matamos quem somos para corresponder às expectativas de outros ou enquanto brigamos por nosso espaço.
Nossa vida é muito valiosa e única. As oportunidades de ser quem somos escoam por entre os dedos e não podemos desperdiçá-las. Ainda que levemos tempo para descobrir nossa real identidade, a trajetória será recompensada. Ninguém é feio ou inadequado, a não ser para aqueles que não se descobriram de fato. Existe muito mais beleza na sinceridade do que na hipocrisia, mesmo quando ela revela nosso lado mais sombrio. A decisão de viver a versão exata de quem somos, por si só, é um convite para que outros façam o mesmo. Jamais saberemos do que somos feitos se persistimos nos importando com o que os outros esperam de nós.
“Chegará um momento em que nenhuma máscara se encaixará mais em nosso rosto. E então, o que nos resta, é mostrar o que escondemos há tanto tempo.” Jean Rosana