Estar sozinho e sentir-se solitário são coisas diferentes. Pois, enquanto a solitude é saudável e recomendada, a solidão é nociva e desaconselhada. Porque, como seres humanos sociáveis que somos, nascemos para viver em comunidade. Por isso, embora circunstâncias possam nos encurralar na direção da solidão, temos que escolher sair deste lugar com maior brevidade possível. No entanto, quando isto não é possível, devemos nos esforçar para transformar estas estações em momentos de solitude.
Solitude é o estado de privacidade de uma pessoa. Pode representar o isolamento e a reclusão, voluntários ou impostos, mas não é associado a sofrimento. Escolher estar sozinho é diferente de sentir-se só. Pessoas que gostam de sua própria companhia, em geral, são pessoas bem resolvidas. Por isso, encontram nestas oportunidades, ocasião para reciclagem e para busca de autoconhecimento. Todos nós deveríamos conviver bem conosco mesmo, já que é impossível amar aos outros quando não nos amamos. Porém, o estado de quem se acha ou se sente desacompanhado, quando associado à isolamento e sensação de desamparo é tóxico.
Pessoas solitárias sentem-se vazias, mesmo quando estão cercadas de pessoas. O simples fato de estarem em grupo ou acompanhadas, não diminui a sensação de inadequação e abandono. Por isso, o ajuste deve acontecer de dentro para fora. Nestes casos, existe ausência do sentimento de pertencimento, que nada tem a ver com estar ou não acompanhado. Inegavelmente atividades feitas em grupo podem diminuir esta sensação de inadequação, porém não solucionam definitivamente a questão. É imprescindível, portanto, que se busque a origem de tal sentimento.
“A solidão machuca, a solitude cura.” Fael Amado
Lidando com a solidão
Talvez o primeiro passo prático a ser dado para lidar com a solidão é o entendimento de que solidão e solitude são coisas diferentes. Feita esta distinção, a próxima etapa consiste em buscar o que pode alimentar esta sensação. Ela pode muito bem estar associada com sentimento de orfandade, que abrange várias áreas de nossa vida. Embora nem sempre a pessoa tenha sido órfão de fato, suas emoções foram marcadas por uma infância difícil ou pela ausência dela. Traumas de qualquer espécie comumente contribuem para este tipo de percepção. É fato, portanto, que a visão desta pessoa passa por uma distorção da realidade. Nestes casos, nenhum esforço externo é capaz de amenizar o conflito.
Pois, este tipo de sensação, abriga-se no íntimo de nosso subconsciente, podendo dificultar sua interpretação. É uma espécie de vazio, que não será preenchido com nada exterior. Por isso, a tentativa de aplacar este tipo de dor emocional com atividades diversas e companhias variadas, dificilmente resolve. Pelo contrário, por vezes mascara e intensifica ainda mais a frustração. De maneira idêntica, o uso de álcool e drogas, atuam como subterfúgios e não solucionam o problema. Outra estratégia inconsciente é o acúmulo de atividades, que visa preencher o tempo. Inegavelmente, qualquer muleta que elejamos, não será suficientemente sólida para nos sustentar.
Certamente o stress e o esgotamento emocional são oriundos destas tentativas mal sucedidas. O ciclo se repete sempre que fugimos de lidar com a origem do que sentimos. Porque, primeiramente, nossa companhia deve ser apreciada por nós mesmos, para que possa ser apreciada por outros. Quando isto não acontece, buscamos que a companhia de outras pessoas preencha o vazio que sentimos. Isto é, nenhuma validação ou aprovação externa serão necessárias para fortalecer nossa autoestima, quando este sentimento for ajustado. Até porque nenhum mecanismo externo mostra-se eficiente quando o que se pretende é lidar com a solidão.
Escolhendo ficar sozinho
Quando desvinculamos nosso valor do que outros dizem ou pensam, rumamos para a experiência de solitude. Doses de solitude possibilitam colocar as coisas em perspectiva correta. Certamente precisamos de quietude de alma para que alguns conflitos sejam corretamente traduzidos. Nenhuma análise superficial é eficiente nestes casos. Por isso, retardar este diagnóstico, só intensifica o conflito. Quando olhamos no espelho temos que gostar do que vemos. Não se trata apenas da imagem física, mas especialmente devemos admirar a pessoa que está por trás dos traços. Porque, cada ruga ou cabelo branco denuncia um aprendizado. Esta deve ser nossa percepção da pessoa na qual estamos nos transformando.
Inegavelmente, as cicatrizes também comprovam algumas batalhas travadas. Por isso, ninguém que se ame é feio ou inadequado. Todos os que se percebem de forma correta sabem de antemão que a vida deixa marcas. Elas existem pelo simples fato de decidirmos viver e contribuem para o desenho de nossa existência. Elas só não existem naqueles que desistiram de tentar ou estacionaram. Portanto, escolher sair deste lugar de apatia é decisivo, e a solitude é um dos mecanismos importantes para nos despertar. No entanto, a introspecção exagerada pode levar a estágios de culpa e de desânimo. É importante dosar os períodos de solitude, delimitando precisamente seu tempo de duração. Pois, ultrapassar alguns limites pode ser igualmente prejudicial.
O resumo de tudo é manter o equilíbrio. Tudo que vivemos de forma equilibrada tende a ser menos danoso. Fugir da solitude não é indicado, assim como permanecer indefinidamente nesta condição não é saudável. Nascemos para viver em sociedade. Precisamos das diferenças, dos conflitos, dos ajustes. Os relacionamentos, inegavelmente, possuem potencial de nos ferir, mas também são eles que nos moldam. Por isso, ninguém é solitário se souber praticar solitude para se reciclar. Temos que renovar nossa capacidade de lidar com a dor de alguns relacionamentos que nos feriram. Sempre será nossa a decisão de voltar para a arena da vida. Os que tentam fugir deste lugar de ajustes e aprendizado se distanciam do verdadeiro propósito de sua trajetória.
“Solitude é a capacidade de se amar ao ponto de estar sozinho e mesmo assim, se sentir inteiro e feliz. Sem a obrigatoriedade de procurar complementos e naturalmente ser preenchido de uma paz absoluta.” Telma Nogueira
Atingindo o equilíbrio
Pessoas extrovertidas, e portanto com mais facilidade aparente de convívio, talvez tenham mais dificuldade de lidar com a solitude. No entanto, as introspectivas irão para este lugar com naturalidade e, por vezes, de forma exagerada. Por isso, nenhum dos dois extremos é benéfico. Mas, é importante entender que solitude não é sinônimo de isolamento ou reclusão. A prática da solitude pode muito bem acontecer em períodos em que estamos rodeados de pessoas. Trata-se muito mais de uma disposição mental do que propriamente de algo que atingimos quando nos isolamos. Silenciar a mente para poder ouvir o coração exigirá que sejamos intencionais nas escolhas.
Somos espírito, temos uma alma e habitamos em um corpo. Por ordem de importância, esta é a sequência correta do que compõe o ser humano. Por isso, toda busca de equilíbrio precisa começar de dentro para fora. Quando invertemos as prioridades, tentando solucionar, a partir do corpo, um desequilíbrio do espírito ou da alma, somos ineficientes. A satisfação nestes casos é momentânea, pouco duradoura. Ao silenciarmos o mundo exterior não temos garantia de que nosso mundo interior se aquietará. Contudo, se nosso mundo interior experimenta quietude, o exterior pode muito bem ser barulhento.
Portanto, o externo interfere pouco no interno, no que se refere à solitude. Um ambiente menos agitado, pode, no entanto, facilitar a busca do equilíbrio. As dores da alma são as mais difíceis de diagnosticar, porque estão disfarçadas. Atualmente a classe médica já investiga a interferência da alma em alguns diagnósticos de doenças clínicas. Comprovadamente alguns desequilíbrios externos estão vinculados a algum aspecto interno que os alimenta. Identificar e solucionar a origem destas dores é o que se busca nos momentos de solitude. É como separar tempo para olhar o desenho de longe e fazer correção nos traços.
Não estou sozinho, busco solitude!
Mais do que receitas que reduzam nosso desconforto, temos que almejar a cura de algumas feridas. Não conseguiremos sozinhos, precisamos das mãos cirúrgicas do Oleiro, que moldou o barro. Mas a tarefa de permitir continua sendo nossa. Quando decidimos descartar por completo a solidão e transformar parte dela em solitude, encontraremos algumas respostas. Percorrer este caminho interior sem a ajuda do Espírito Santo, é tarefa perigosa. Não nos conhecemos suficientemente para um “autodiagnóstico”, e nada mais adequado do que recorrer ao manual do Fabricante.
Deus nos criou com a necessidade de ouví-lo e fomos criados com um ouvido espiritual capaz de captar Sua voz. Ele pode estar desativado ou ensurdecido na vida de alguns, mas todos o possuem. A busca da quietude interior e a decisão de silenciar as vozes internas é o que nos aproxima dEle. Existe um aspecto do relacionamento que temos com Ele que envolve o outro. Mas, primordialmente fomos criados para nos relacionar com Ele. Por isso, sem acessar esta fonte confiável de respostas, não conseguiremos diagnosticar corretamente nossas dores. A solidão desaparece quando percebemos, na prática, que Ele sempre está conosco; e que se importa.
A sensação de orfandade cessa quando nos relacionamos com Ele como filhos. Até que isso aconteça somos criaturas. Ele criou o homem com objetivo de que pudesse se relacionar com Ele, e sem este relacionamento ficamos soltos no meio do restante da criação. Existe beleza em tudo que foi criado. A natureza nos oferece muitos indícios que apontam para um Criador. No entanto, a criação da raça humana é o ápice de tudo que foi criado. É, também, o motivo pelo qual Deus criou as demais coisas. Sem Ele, somos nada. Mas, com Ele ao nosso lado tudo adquire propósito e a solidão deixa de existir, transformando-se em solitude. Deus desenhou cada um de nós de forma perfeita, portanto, nada mais lógico e adequado do que recorrer a Ele quando nos sentimos sós.